And the winner is..

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O que o Oscar quer dizer?*

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Temporada de Oscar sempre vem acompanhada da expectativa, consciente ou não, de que vamos conhecer “o filme do ano”. O que é, por sinal, bastante coerente, já que, para bem, para mal, o prêmio dado anualmente pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas dos EUA, é o mais prestigiado, conhecido, assistido e respeitado do universo do cinema.

Mas, vale, lembrar, trata-se do prêmio dado por aquela academia, portanto, uma decisão de seus integrantes e manifestação de sua opinião. É o melhor filme para aquele grupo, contextualizado num determinado país e numa determinada cultura. Um paralelo possível pode ser feito se você pensar na Academia Brasileira de Letras. Imagine que aquele pessoal todo – e isso inclui Sarney e Paulo Coelho, lembre-se – resolva votar para premiar o “melhor livro” do ano. Bom, com certeza eles têm bagagem e vivência literária suficiente para escolher algo realmente bom, mas essa obra, como você deve imaginar, não representaria o que há de “absolutamente melhor” na produção literária daquele ano. Seria, isso sim, o melhor na opinião da ABL – o que, consideremos, é um baita de um reconhecimento, diga-se de passagem. E é assim com o Oscar.

Então, a ideia é a seguinte: se a premiação revela uma opinião, uma posição da Academia, existe um significado, uma vontade, por trás dela. Tentar entender esse significado talvez mostre o que podemos esperar da produção cinematográfica nos próximos anos ou mesmo dos próximos Oscars. Então, o que significaria se cada um dos indicados a melhor filme levasse o Oscar pra casa?

1 – O discurso do Rei – A academia sendo ela mesma

O Discruso do Rei é um filme milimetricamente feito para agradar a “velha guarda” da Academia, que é maioria por lá. Drama de superação pessoal, decupagem clássica, roteiro bem escrito, atuações naturalistas, baseado em fatos reais. Se esse filme levar o Oscar (e ele é o favorito), a Academia estará dizendo ao mundo que preza um estilo, uma marca. E que isso não muda com o tempo.

2- Minhas mães e meus pais – A Academia virando Ong

Não há dúvida de que “Minhas mães e meu pai” seja um filme divertido, bem feito, com atuações precisas e gostoso de se ver. Mas se ele ganhar, a academia estará demonstrando que se preocupa mais com causas sociais e diversidade do que com Artes e Ciências Cinematográficas. Uma causa tão louvável quanto incoerente…

3 – A Origem – Os nerds dominaram o mundo

“A Origem” vem na linha de “Matrix” e outros filmes feitos para serem inteligentes, que enchem os olhos com efeitos especiais e a cabeça com teorias malucas. Sua vitória significaria uma aposta da academia no cinema de entretenimento. E indicaria que a turma de George Lucas finalmente tomou conta daquilo lá…

4- O Vencedor – A jornada do herói termina no Oscar

Existe uma “esturtura”, um esqueminha, pra se escrever roteiros. Ele produziu vencedores de Oscars ao longo dos anos e pode fazer mais um com “O Vencedor”. Esta seria outra escolha conservadora da academia, apontando em direção ao seu “estilo consagrado”. Só que aqui, a direção, a produção e o papel da imagem perdem muito em importância para o roteiro e as atuações, o que não ocorre em “O Discurso do Rei”.

5 – Cisne Negro – A Academia quer mudança

O filme é uma imensa alegoria, contada de forma não muito convencional e com artifícios inventivos. A escolha de “Cisne Negro” como melhor filme, indicaria que a Academia deseja por mudança, ruptura. Por isso mesmo, é bastante improvável…

6 – 127 horas – A Academia quer ser ela mesma sem ser sempre a mesma

“127 Horas” parece inovador, revolucionário, transgressor, original… Parece. É o estilão acadêmico que a gente conhece bem, só que de roupa nova. Essa escolha mostraria que a academia até topa dar uma recauchutada nas suas fórmulas, desde que elas não percam sua essência.

7 – A Rede Social – A Academia é coisa de macho

Essa escolha indicaria que a Academia curte filmes feitos para brancos, americanos, heterossexuais, que assistem Super Bowl e gostam de cerveja. Do roteiro à montagem, tudo aponta – falicamente – pra isso. O que não faria do filme algo ruim: é dos melhores do ano. Mas um filme, como essa lista aqui indica, pode causar bem mais do que exclamações de “porra, meu, foda pra caraaaaaaaalho…”

8 – Toy Story 3 – A Academia quer novos meios


Escolher “Toy Story 3” como melhor filme indicaria que a Academia está interessada em novos meios e novas linguagens. Também indicaria o vencimento de um preconceito contra as animações que existe desde sempre, o que as elevaria ao status – só não reconhecido pela Academia – de “filme sério”.

9 – Bravura Indômita – A Academia é saudosista

Premiar um western, ainda que numa versão toda trabalhada no autoralismo dos Coen, só indicaria uma coisa: a Academia morre de saudade de sua época de ouro. E acha que cinema bom é o daquele tempo.

10 – Inverno da alma – A Academia é indie

Um “filme de festival” que caiu no gosto da Academia. Sua escolha para filme do ano indicaria que os acadêmicos querem se desvencilhar da ideia de que suas escolhas depdendem muito do que o público e o mercado pensa. O que, é claro, não é verdade…

E agora, é esperar pra ver o que a Academia tem a nos dizer…

* Post ilustrado com as obras de Alex Eylar, um carinha de 21 anos que manda muito bem no Lego…

Nesun dorma

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Vocês lembram quando eu falei da ópera sobre a vida da Anna Nicole Smith? Ó, pra quem duvidava, estreou em Londres essa semana:

Tô pretérito mais que perfeito. Geraldo, prepara o táxi, nós vamos pra Londres!

De como o Cisne Negro matou o artista*

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Existe um mito muito antigo, do tempo da renascença, sobre os artistas. Médiums da Estética, esses gênios seriam capazes de, por meio de inspiração, transcender a técnica para brindar a humanidade com uma fagulha do divino. Levado a sifilíticos e tuberculosos ápices em tempos de romantismo, o mito meio que saiu de moda à base de muita ironia inglesa e materialismo histórico. E aí, para bem, para mal e desespero da ministra da cultura, o artista virou um fingidor, uma antena da cultura. Mito reescrito.

Aí vem o cinema, techné surgida lá quando essa mitologia caía por terra, para contar uma história que, não bastasse ter um balé de Tchaikovsky (dos mais descabelados dos românticos!) como pano de fundo, ainda traz à baila justamente o conflito do artista para atingir a perfeição, a transcendência. Ideia maluca de Aronofsky com seu Cisne Negro (Black Swan, 2010), sucesso retumbante dessa temporada.

Retumbante e confuso. Poucas vezes um filme teve sinopses tão diferentes entre si. Porque crítica, especialmente no Brasil, varia mesmo. Criticar cinema, por aqui, é fazer a criança mimada e falar “gostei” ou “odiei”. E gosto, a gente, sabe, cada um tem o seu e lamenta o do outro. Mas sinopse, ao que parecia, era meio consensual: um resuminho da história e o assunto do filme. E vem Cisne Negro com sinopses  que falam sobre “obsessão pela perfeição”, sobre a “competição entre bailarinas”, sobre “retrato dos bastidores do mundo do balé”, sobre “repressão feminina”.  Não há um consenso sobre o assunto do filme e ninguém parece ter ligado pra essa aparente confusão: estava todo mundo ocupado criticando o hype ou exaltando-o. Então aproveito para engrossar o coro dissonante com minha semi-sinopse ali de cima e incrementar dizendo que, aos meus olhos, o filme é uma ilustração do tal “mito do artista” levado ao extremo.

Aronofsky, aliás, adora essa coisa de colocar seus personagens no limite. Foi assim com o delírio expressionista em “Pi”, foi assim com cada personagem de “Requiem para um Sonho”, foi assim com o amor eterno (interminável?) de “A fonte de Vida”. Mas em “O Lutador”, que eu aliás já comentei aqui, a coisa mudou um pouquinho. Aronofsky convida Mickey Rourke para o papel principal, borrando a linha entre criador e criatura. Vencedor do Globo de Ouro de melhor ator naquele ano e indicado ao Oscar, Mickey Rourke e Randy, seu personagem, são praticamente a mesma pessoa. Aronofksy não se satisfaz mais em levar personagens ao limite: agora os atores têm que ir junto.

E aí entra Natalie Portman, merecida vencedora do Globo de Ouro e indicada ao Oscar por Cisne Negro. Aronofsky faz a atriz, já magra, perder dez quilos. Aprender balé o suficiente para dançar quase sem dublês – o que o obriga a manter a maioria dos planos dos ombros para cima, evitando denunciar uma eventual falta de técnica. Aliás, o instrutor de balé com quem a atriz trabalhou antes do filme é pai de seu futuro filho. Embora, ao contrário de Rourke, a performance aqui seja mais artística do que auto-biográfica, Portman precisa, literalmente, dar o corpo e o sangue pela personagem. Qualquer semelhança com a ficção é mera coincidência?

Pra completar, vem o diretor e joga a câmera literalmente em cima da criaturinha frágil que fez surgir. Câmera na mão, faz tempo, é um artifício bastante usado – e até meio abusado – para dar efeito de “realidade”. Mas aqui, a super 16 ora em vídeo, ora em filme, é usada para sugerir intimidade. Uma coisa meio Vintenberg. Sabe quando algo te incomoda e você não sabe bem o que é, até perceber que é a presença insistente de alguém? É exatamente a sensação causada pela claustrofóbica fotografia que não sai de cima, dos lados, de debaixo de Nina, a personagem principal, nem pra ela ir ao banheiro. Sério.

E no banheiro (ou no quarto, ou na sala de ensaio), Nina pratica os mais diversos atos de auto-mutilação. Um festival de bizarria para deixar muito cineasta trash com olhos cheios e me fazer desconfiar que Aronofsky deve ter frequentado muita grindhouse por aí. Com ecos ressoando Cronemberg, terror japonês e qualquer coisa que Robert Rodriguez assistia de madrugada. Realidade aqui passou longe. Alucinação ou não, muita coisa não se sustenta logicamente e isso só reforça o fato de que a câmera na mão é uma opção estilística para aproximar o espectador da mente da protagonista, mais do que da realidade ou da verossimilhança. É o expressionismo, de novo, influenciando Aronofsky.

A hip-hop montage, abandonada desde “Requiem” reaparece aqui e ali – embora com menos vigor –  principalmente para representar a repetição e a persistência. Numa das cenas mais interessantes, a sapatilha de Nina golpeia o chão (e o desenho de som aqui é impressionante) repetida e insistentemente. É animador, enfim, ver que Aronofksy tirou o estilo da geladeira.

Mas vamos ligar as pontas – algumas ficam soltas em Cisne Negro, aliás – e voltar ao mito do artista. Nina é uma belíssima, soberba ilustração desse mito. Torturada por todos os lados (o que inclui uma mãe que faz Bernarda Alba parecer a Noviça Rebelde), sofrida, entre o divino (transcendental) e o humano (carnal) , entre o apolíneo e o dionisíaco, entre o cisne branco e o negro, ela precisa se superar, se consumir, para que a arte como catarse possa ser completa. É o nascimento da tragédia. E o mito do artista é uma leitura possível e interessante de Cisne Negro.

Só que por trás de tudo existe um diretor sádico, irônico, infernizando seus personagens-atores e o universo que eles habitam. Este, tão comprometido com sua arte quanto Nina, faz miséria para retratar o mito do artista e, se lhe torce a perna ou arranca pedaços, deve rir de canto de boca. Todo o trash no meio de uma narrativa que se traveste de lírica não é apenas para desconsertar plateias desavisadas. É o escarninho de um diretor que busca a sintonia com seu tempo ao denunciar o absurdo de sua obra e os pedaços de outras que a compõe. É a desmistificação do artista através da própria exaltação de seu mito. Nenhuma novidade, alguém disse. Mas vestido de cisne, fica danado de bonito.

* Post ilustrado com os brilhantes cartazes de inspiração construtivista e art-déco feitos pela agência londrina LaBoca para o filme.