Sempre fico tentando ler aquelas TVs do metrô. Primeiro porque trabalho com coisa parecida e dali já me veio muita inspiração. Segundo porque tem bastante coisa legal lá. É que pra descobrir, você tem que driblar cotoveladas, ultrapassar obstáculos e manter o equilíbrio, torcendo para conseguir ler a programação antes de alguém entrar na frente.

Aí hoje, do nada, me vem uma notícia sobre uma pesquisa de Harvard.  Descobriram que o fato de o homem cozinhar a carne pode ter afetado nossa evolução animal. Deu-se que enquanto a maioria das pessoas pensava na morte da bezerra, eu comecei a pensar no que a sua carne podia render, ficando extasiado por alguns momentos com a ideia de que, afinal, natureza e cultura são meio que uma coisa só.

Pensa comigo: é fácil imaginar a evolução como um processo biológico, “natural”, portanto. De repente, um anfíbio conquista a terra e, alguns milhões de anos mais tarde, temos répteis. Coisa que a natureza fez sozinha, na base do acaso. Mas de acaso em acaso a galinha encheu o papo, que virou esôfago e desembocou na gente, ser humano e tudo mais. E gente, sendo gente, tem cultura. O homem só é o Homem porque criou formas de adaptar o ambiente ao seu redor, diferente de outros animais. E aí vieram códigos, linguagens, Descartes, o estruturalismo.

Então tinha a natureza de um lado, o nosso “Id”, essa coisa instintiva, suja, suada, animal. E, do outro, tinha a cultura, o “Super ego”, a noção de que tem que comer brócolis pra ganhar sobremesa, trabalhar para ganhar pão, estudar pra não tomar pau e ser bonzinho pra não ir pro inferno. Aí vem essa notícia e bagunça tudo deliciosamente. Porque vai, foi só mais um acaso da natureza que fez um hominídio assar a carne numa fogueira um dia. Aí ele come, instintivamente, porque precisa sobreviver. E ele viu que isso era bom. Aí todo mundo começa a comer também, o cérebro cresce, o corpo aumenta… e de repente estamos jogando pedaços de ossos pra cima ao som da sinfonia “Assim falou Zaratustra”.

Agora, imagina a confusão que vai dar se esses cientistas continuam metendo o dedo nessa ferida narcísica. Porque assim, tem gente que acha que a língua (o código que o homem criou depois de comer carne cozida) é sistema para explicar o mundo. Imagina a confusão em pensar que, na verdade, o mundo é que é sistema para explicar a língua. Aliás, menos: a língua é um micro-sistema dentro de um outro, muito mais complexo e que, ao que tudo indica, a gente ainda nem entende direito. Vide o que acabamos de descobrir.

Melhor ainda: sendo as duas coisas, quem sabe, uma só, a cultura talvez nem seja uma forma que temos de “adaptar o meio que nos cerca”. Sequer seja uma vantagem evolutiva. Quem sabe essa coisa de vestir roupas em vez de carapaças não é só mais um acaso dentre muitos, que, no futuro, talvez faça nossos pelos caírem ou nos tornarmos mais frágeis do que já somos. Será que discutir o novo clipe da Britney, daqui a pouco, vai afetar nosso cérebro? Se eu tiver um bebê, vou pôr Mozart pra ouvir. Deve ter uma explicação biológica pra essa lenda urbana…

Nessas, acabei lembrando inclusive do vídeo Meat Love, que já postei por aqui. E também da deliciosa forma como Glenn O´Brien fala de estilo e etiqueta como se falasse de sobrevivência na selva em “How to be a man” (que é assunto pra outro dia). Por motivos, imagino, não tão óbvios. Mas vai, confio em vocês…

Eu talvez pensasse mais e chegasse a conclusões ainda mais absurdas. Mas o metrô chegou na minha estação e eu desci…

* Post ilustrado com obras de Pierre Javelle, que diminui cenas da “cultura” para misturá-las, por exemplo, com a carne que a fez surgir. Mal passada…